De um lado, os defensores da eutanásia sustentam argumentos jurídicos acerca da autonomia individual e da dignidade humana, afirmando que o indivíduo deve ter o direito de morrer quando estiver passando por sofrimento físico ou mental e que os profissionais de saúde devem ajudar.
De outro, os contrários à eutanásia se baseiam em diferentes razões: religiosos afirmam que a vida é um presente divino e que não cabe ao indivíduo tirá-la. Juristas afirmam que a vida é um direito indisponível e que, portanto, o indivíduo não pode abrir mão dela. Médicos que trabalham com cuidados paliativos afirmam que a efetividade dos cuidados com os pacientes fora de possibilidade terapêuticas permite que o paciente tenha um fim de vida digno, sem que seja necessário abreviar a vida.
Percebe-se que o tema é polêmico e existem argumentos fortes nos dois lados. Não pretendo aqui levantar bandeiras pró ou contra a eutanásia, mas problematizar os argumentos, afim de levar para você, leitor, visões críticas sobre o tema.
Defender a eutanásia é, em que pese os aspectos éticos e morais, o caminho mais simples: basta entendermos que vivemos a primazia do individual sobre o coletivo, num mundo que protege com virulência, as liberdades individuais. Desta forma, a defesa da eutanásia centra-se na ideia de que o indivíduo deve ser livre para fazer escolhas ilimitadas, inclusive sobre a morte, e cabe ao Estado, aos profissionais de saúde, aos familiares e amigos respeitá-las.
Ser contra a eutanásia é um caminho espinhoso. O argumento religioso pode soar piegas, irracional e moralizante para aqueles que não possuem crença religiosa e para os que defendem que o Estado é laico. O argumento jurídico pode dar a ideia de que o Direito, muitas vezes, impõe barreiras socialmente ultrapassadas e que o Estado não pode limitar a autonomia do indivíduo. O argumento médico pode soar ilusório
pois a verdade é que os cuidados paliativos (ramo da medicina que visa
proporcionar ao doente conforto para que a morte chegue no tempo certo, sem sofrimento) ainda estão engatinhando no Brasil, com raras exceções.
Mas, talvez, o cerne da discussão, não seja nenhum destes argumentos. Parece-me que discutir qualquer assunto que tenha a ver com morte é, para a sociedade brasileira, um tema secundário. Que não deve ser debatido. Que precisa ser varrido para debaixo do tapete e ali ficar até a morte repentina ou diagnóstico de uma doença fora de possibilidades terapêuticas (terrivelmente conhecida como doença terminal).
Quero dizer que antes de defendermos a eutanásia no Brasil, precisamos defender a necessidade de conversar sobre a morte. Todos vamos morrer, portanto, podemos e devemos decidir sobre como queremos morrer caso tenhamos uma doença fora de possibilidades terapêuticas, podendo recusar tratamentos que apenas prolongam a vida sem garantir a qualidade dessa. Para isso existe o Testamento Vital, regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina em 2012. Contudo, apenas um documento não resolve. Precisamos conversar com nossos familiares e, principalmente, com nossos médicos, pois são eles que tem a cruel missão de nos orientar quando questionamos “doutor, o que o senhor faria?’, ou ainda, de decidir entre seguir a vontade dos familiares ou a vontade do paciente, manifestada durante um sussurro no leito.
Deixar a decisão para o médico é, sem dúvida, uma má escolha. Pois estes profissionais decidirão com base nos valores individuais deles, decidirão sendo pressionados pela família e assombrados pela ameaça de um processo judicial. Assim, a escolha deve ser de cada um de nós e quem sabe, o dia que tivermos essa consciência, não precisemos defender a eutanásia no Brasil.
* Luciana Dadalto