domingo, 15 de abril de 2012

A crise constante da segurança pública

Não basta melhorar o ensino policial, promover integração e mais equipamentos; há 25 anos esperamos o Congresso dizer o que devem fazer as polícias.

Encerrada a fase aguda que culminou nas greves de policiais antes do carnaval, na Bahia e no Rio de Janeiro, o Brasil retoma a prática política de esquecimento dos problemas da segurança pública, relegando à própria sorte a população e as polícias, que continuam imersas em um cenário de intensas disputas políticas e institucionais.

Em termos econômicos, o Brasil gastou, em 2010, de acordo com o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, aproximadamente R$ 50 bilhões apenas com segurança pública. Esse valor significa algo como 1,4% do nosso PIB e quase 9% do total de impostos arrecadados por municípios, Estados, Distrito Federal e União.

Ou seja, nosso sistema é caro, ineficiente, capacita e paga mal os profissionais encarregados de manter a ordem democrática e de garantir direitos da população.

Convivemos com taxas altas de criminalidade, de letalidade evitimização policial. Há excesso de burocracia e não conseguimos oferecer serviços de qualidade ou reduzir a insegurança.

No plano da gestão, paradoxalmente, várias iniciativas têm sido tentadas ao longo dos últimos anos: sistemas de informação, integração das polícias estaduais, modernização tecnológica, mudança no currículo de ensino policial, investimentos em novos equipamentos.

Elas dão sobrevida a um modelo na UTI, mas não atingem o cerne do problema, que é, sem meias palavras, político.

Por exemplo: o Congresso há quase 25 anos tem dificuldades para fazer avançar uma agenda de reformas imposta pela Constituição de 1988. Até hoje existem diversos artigos sem a devida regulação, abrindo margem para enormes zonas de sombra e insegurança jurídica.

Para a segurança pública, o efeito dessa postura pode ser constatado na não regulamentação do artigo 23 da Constituição, que trata das atribuições concorrentes entre os entes, ou do parágrafo 7º do artigo 144, que dispõe sobre os mandatos e atribuições das instituições encarregadas em prover segurança pública.

A ausência de regras que regulamentem as funções e o relacionamento das polícias federais e estaduais, e mesmo das polícias civis e militares, produz no Brasil um quadro de diversos ordenamentos para a solução de problemas similares de segurança e violência. Enquanto isso, não há grandes avanços em boa parte do território nacional.

Não é surpresa, portanto, que o debate sobre segurança pública fique restrito à conquista de melhores salários pelos policiais e tipificação ou agravamento de crimes.

O Congresso não nos disse o que devem fazer as polícias brasileiras. Falta um projeto político que seja capaz de superar os corporativismos e pensar na polícia que o Brasil, moderno e democrático, precisa.

O argumento de que a Constituição impede reformas substantivas não se sustenta. Há, com isso, um grande espaço de reformas legislativas que poderia ser percorrido se houvesse vontade política e mobilização social para a urgência de uma ampla revisão de normas, processos e leis anacrônicas que regulam esta área no Brasil.

Nosso drama é que, no pragmatismo reducionista da política brasileira, fica em aberto a pergunta sobre quem terá a disposição e a coragem política de liderar um vigoroso processo de reformas sem que uma crise dispare os alertas e as bandeiras eleitorais. É um problema de todos, mas não é assumido como responsabilidade política por ninguém.

*RENATO SÉRGIO DE LIMA, 41, doutor em sociologia pela USP, é secretário
executivo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Este artigo foi publicado na "Folha de S. Paulo"

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